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Faculdade um produto cultural - Parte I



Esse texto pretende analisar o ensino superior privado, para tanto fiz uma espécie de crônica que narra superficialmente minha própria experiência, no curso de jornalismo da Faculdade X (preservarei o nome da instituição). Na era pós-industrial, pós-moderna ainda temos os velhos resquícios capitalistas do século XX. Por isso nem a academia e as universidades estão livres de oferecerem um produto cultural: o ensino superior.
Um momento perdido no tempo, o espaço é o da minha faculdade.
_ Que dia é hoje? Alguém pergunta para ninguém.
_ Nem sei, nem me lembro mais. Ouve-se uma resposta perdida também entre tantas pessoas.
Estou em outro planeta? Acabo de sair do ensino médio e caio aqui de pára-quedas na faculdade. Onde estão meus amigos, minhas festas, meus amores platônicos? Tudo parece tão diferente e confuso para mim. Meu curso é jornalismo quero mudar o mundo, escrever o que penso, desmascarar o status côo, combater a desigualdade social, o capitalismo corrompido, lutar pela liberdade de expressão, denunciar os abusos do poder, combater a corrupção..
_O que está acontecendo? Pergunto timidamente.
_ Sei lá, acho que é uma palestra. Ele me responde, mas parece que está me perguntando.
Palestra na primeira aula do semestre? Qual era o tema? Somente depois do terceiro período eu soube responder essa pergunta. Era apenas uma aula para amedrontar os calouros. Auditório lotado, todos os alunos da faculdade. Os demais períodos estavam ali só para ganhar horas complementares, como eu viria mais tarde a descobrir. Nós, alunos, entusiasmados por termos passado no vestibular, comparecemos em massa e nessa palestra somos apresentados às maravilhas do “seminário”. 
A teoria é a seguinte: o professor faz uma exposição do tema; os alunos, divididos em pequenos grupos, debatem entre si e fazem um relatório das conclusões; cada grupo fala seu relatório para a turma e terminando, o professor tira as conclusões. Dessa teoria vai nascer um excelente subproduto: a prova em grupo. O aluno que sabe, fala; o que tiver a melhor letra escreve; os demais assinam — assinaturas que podem ser conseguidas antes da prova, liberando-os para outras atividades como ler revistas, conversar, ir embora. Para o professor também é ótimo: são menos provas a corrigir. Uma turma de 40 alunos, por exemplo, pode ser facilmente reduzida a oito provas.

Segundo período: A turma se divide em “panelinhas”, descubro que sou um ET, meu texto é retalhado, minhas roupas não estão na moda e sempre sobro na formação dos grupos. Ai sempre decido fazer o trabalho sozinho é mais prático, não tenho tempo de encontrar com ninguém, moro no interior e gasto duas horas para chegar à faculdade. Ao longo do período percebo que meus colegas cochicham quando levanto um questionamento. Acho que eles querem me pegar lá fora, porque eu complico demais as aulas.

Terceiro período: passo por uma fase negra, estou desiludido com o curso, com os colegas, com a faculdade, com os professores e sobra até pra cantina. Já li “todos” os livros da biblioteca (dá para imaginar o tamanho da biblioteca), complico ainda mais as aulas. Minhas notas são altas, já não sou excluído dos grupos. A professora, às vezes, me esculacha. Não paro de conversar um minuto. Já não uso o boné para trás, nem calça de mala, tento me adequar ao modelo de beleza padrão.  
Já deixo para tirar as “xérox” nas semanas de provas. Sempre há uma fila maior que a do SUS. As “xérox” consistem em uma espécie de colcha de retalhos, vários textos de livros e autores diferentes; que separados já são confusos, unidos nem se fala. A sala está cheia. Mas já se escuta, dos que chegam atrasados, aquilo que será, ao mesmo tempo, o grito de guerra e a única preocupação real de todo o curso:
— O professor já fez a chamada?

Quarto período: Dos trinta alunos do primeiro período restam apenas uns doze. O resto trancou a matricula, desistiu, ou são os famosos turistas que aparecem misteriosamente nas semanas de trabalhos e provas. Começo a identificar minha vocação em lecionar com um professor muito “gente boa”. Ele passa um “trabalho integrado” – escolhe um tema do nada; “O jeans”, "sustentabilidade", "o ano de 1968", por exemplo, e inclui metade da nota em todas as outras matérias, ou seja, se você tirar nota ruim com ele, dança nas demais disciplinas – no fim das contas não integra nada, pois os professores empurram o trabalho um para o outro. Suas aulas são ótimas ele chega à sala põem os materiais na mesa e sempre diz:
— Boa noite, gente. Tudo bem? Como é que está o trabalho? Alguma dúvida? Nenhuma dúvida? Qualquer dúvida é só falar. [Faz uma pequena pausa, os alunos mal notam a sua presença]. Lembrem-se de que o trabalho tem que ser entregue no último dia de aula e vale todos os pontos. Nenhuma dúvida? Então, boa noite para vocês.
E se retira, ou fica contando histórias, o que dá no mesmo. Assim são suas aulas. Duram sempre menos de cinco minutos. É fácil deduzir por que poucos alunos estão presentes. Mas não são só rosas nesse período, tem uma professora que nós apelidamos de Hitler ela possui muitas qualidades de professora como exigência, perfeccionismo e crítica. E isso lá são qualidades para um professor ter? Ela nos passa trabalhos todas às aulas e ao contrário dos outros, ela não deixa entregar depois. O pior de tudo é a teoria que ela ministra, parece uma metralhadora de informação. 
Praticamente só estudo para a matéria dela, ela gosta de “ferrar” com os alunos. Ninguém gosta dela. Tentamos ate tirá-la da faculdade, ao longo do período surge uma dúvida atroz. Deve a turma continuar com um professor, ditador e que não sabe dar aula e, muito menos, a matéria? Ou ficar, oficialmente, sem aula? Um professor ruim é melhor do que nada? Ou nada é melhor do que um professor ruim? A turma discute o que fazer.
Surgem duas correntes. Uma, idealista, acha que se o professor sair, através de um abaixo-assinado, a universidade pode demorar em substituí-lo, a turma ficará sem aula vários dias e o próximo professor não terá tempo para ensinar toda a matéria. A outra, realista, acha a mesma coisa. Mas vê nisso inúmeras vantagens. No fim das contas ela não sai e deixa metade da turma de recuperação.

Se você se identificou com esse texto ele Continuará Amanhã....
Aguarde a Parte II....

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